Você já ouviu essa notícia muitas vezes nas últimas semanas: Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente eleito do Brasil, morreu de gripe espanhola. Confere? Então, preste atenção que aí tem História.
A gripe espanhola se espalhou pelo mundo de março de 1918 a maio de 1919, matando um número incerto de pessoas (talvez 40 milhões, 50 milhões ou mais). No Brasil, ela foi responsável por cerca de 35.000 óbitos, numa população de quase 29 milhões – isso porque durou só de setembro a dezembro de 1918.
O paulista Rodrigues Alves teve uma das mais brilhantes carreiras políticas do Brasil, do Segundo Reinado (atingiu o posto de Conselheiro do Império) à República Velha. Por São Paulo, ele foi senador três vezes; e governador, duas. Foi o 5º Presidente da República e ganhou as eleições para ser o 7º também, mas não tomou posse. Adoentado, Rodrigues Alves morreu 16 de janeiro de 1919, aos 70 anos. Esses são os fatos. Vamos à questão: sempre se disse que ele fora a mais ilustre vítima da gripe espanhola por aqui, só que agora surgiu uma controvérsia.
Deputado aliado diz que presidente morrerá antes de tomar posse
Quem divulgou a nova teoria foi o respeitado jornalista Ruy Castro, em crônica publicada pela “Folha de S. Paulo” de 17 de abril de 2020. A lebre foi levantada pela historiadora Heloísa Starling, da UFMG, citada no texto. Rodrigues Alves foi diagnosticado com anemia em outubro de 1917; na semana seguinte, já em novembro, seu filho, médico, tentou convencê-lo a não concorrer à presidência por causa da saúde; no fim do mês, um deputado aliado arriscou dizer que, eleito, talvez não chegasse vivo à posse. Foi eleito em 1º de março de 1918, com posse prevista para 15 de novembro. Em 27 de outubro, a imprensa destaca: nenhum idoso conhecido faleceu; não houve mortes de políticos, senadores ou juízes; Rodrigues Alves e Rui Barbosa restabeleceram-se depressa; é doença que pega os jovens, abaixo de 40 anos. Não houve posse na data prevista e Rodrigues Alves viria a falecer em 16 de janeiro de 1919. No atestado de óbito, ficou registrado: assistolia aguda, decorrente de anemia. Ou seja, o coração parou.
Agora, vamos entender e ligar tudo isso ao mundo em que vivemos e sem pretender reescrever a História, apenas entender sua amplitude. Rodrigues Alves pode até não ter morrido da gripe espanhola, mas em consequência dela. Mesmo curado da infecção, estava fraco demais para que seu corpo suportasse. O mesmo se dá hoje. Por exemplo: se tivermos as UTIs ocupadas com pacientes da Covid-19, um infartado morre sem chance de tratamento. Não morreu da Covid-19, mas em consequência dela. É pra isso que a gente estuda História.
Warde Marx, especial para o “Você é Curioso?” (25/04/2020)
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