“Minha bandeirinha chilena, bandeirinha tricolor!/Cores que são o emblema de minha nação.” Entre 1974 e 2014, o Chile passou por momentos políticos bem antagônicos. Uma história envolvendo futebol, Copa do Mundo e política está fazendo 40 anos. O trecho da música “Mi Banderita Chilena” poderia muito bem ser usado no atual momento, em que o país vizinho se classificou para disputar as oitavas-de-final contra o Brasil, no próximo sábado. Mas as cores da bandeira chilena foram usadas pela ditadura militar de Augusto Pinochet para exaltar a “identidade nacional”, que acabou excluindo uma tradicional banda local da abertura da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha.
O grupo Los Huasos Quincherosfoi criado por quatro estudantes chilenos em 1937. A banda, desde seus primórdios, tocava o folklore, uma junção de ritmos locais. Depois de passar por diversas mudanças, o quarteto dos anos 70 era formado por Alfredo Sauvalle, Eduardo Riesco, Benjamin Mackenna – funcionário do Ministério da Educação nos anos Pinochet – e Ricardo Videla. O grupo era assumidamente ligado a setores de direita, que tomou o poder com o golpe de 11 de setembro de 1973 – um ataque que causou a destruição do Palácio de La Moneda e a morte do até então presidente Salvador Allende. A notícia se espalhou pelo mundo e os chilenos que viviam na Europa usaram a banda para demonstrar o descontentamento com o novo regime.
Pouco antes do início da Copa de 1974, o quarteto, mais músicos e bailarinos, desembarcou no Aeroporto de Frankfurt, por onde começaria uma turnê de 10 shows pela Alemanha. Só que, logo no primeiro concerto, uma confusão mudou todos os planos. Ricardo Videla, integrante do grupo desde 1965, relatou ao Blog do Curioso por e-mail o que aconteceu naquela noite: “Exilados pelo governo chileno, junto com grupos marxistas, foram ao teatro protestar. Quebraram alguns adereços nossos. Conseguimos nos trancar dentro do camarim e ficamos lá por 2 horas. Nosso hotel foi ameaçado de bomba.”
Na cerimônia de abertura, em 13 de junho, 16 bolas gigantes foram colocadas no gramado, cada uma representando um país participante. Dentro da bola do Chile deveria estar o Los Huasos Quincheros, de acordo com desejo de Pinochet. Mas eles não se apresentaram. No dia seguinte, a Folha de S. Paulo elucidou: “O Chile iria apresentar seu conjunto vocal ‘Los Huasos Quincheros’, mas a presença desses artistas foi vetada pelo Comitê de Solidariedade Antiimperialista para Ásia, África e América Latina, que acusou o conjunto de estar ‘a favor do fascismo”. A banda, conta Videla, “ficou no hotel, proibida de sair, até voltar ao Chile na manhã seguinte.”
O zagueiro chileno Elías Figueroa, eleito um dos melhores daquela Copa, contou ao Blog do Curioso que o elenco não ficou sabendo na ocasião do perrengue com o grupo. “Eu não sabia da proibição, estava focado no futebol”, afirma. “Na verdade, tinha medo que acontecesse algo com meu pai, que era integrante do Partido Socialista.” O clima daquela Copa do Mundo estava tenso, principalmente por causa dos atentado aos atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, na mesma Alemanha, dois anos antes. O jornalista Flavio Adauto, que cobriu aquela Copa pela Folha, resume bem o que foram aqueles dias: “Cada pessoa era vista como um terrorista em potencial”.