Os torcedores brasileiros que foram a algumas das competições dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro ficaram bastante confusos na hora da execução do hino nacional. A melodia de Francisco Manuel da Silva foi tocada de maneira editada, pulando de maneira repentina do início para o final e confundindo inclusive os atletas que tentavam cantar a letra de Joaquim Osório Duque Estrada. Depois e a reação negativa da torcida à edição inicial, o Comitê Olímpico Brasileiro resolveu trocar o hino por uma mais tradicional, mas em alguns jogos ainda persiste a primeira versão.

Em geral, o hino brasileiro raramente é tocado por completo em grandes eventos. A opção mais comum, como acontece na Copa do Mundo, é tocar apenas a primeira parte à altura de 1 minuto de duração – o que provocou as emocionantes cenas da torcida cantando os versos finais à capela na Copa das Confederações de 2013 e na Copa do Mundo de 2014. Dessa vez, porém, optou-se por respeitar os 15 compassos iniciais da introdução até a frase “…Brilhou no céu da pátria nesse instante” e, dali, partiu-se direto para o trecho “Gigante pela própria natureza…” até o final. Essa versão olímpica é semelhante à usada pela Fórmula 1 nas vitórias dos pilotos brasileiros.

O professor Tiago José Berg, autor do livro “Hinos de Todos os Países do Mundo“, explicou ao Blog do Curioso que essa versão já foi usada em outras edições. A que vinha sendo tocada no início dos Jogos do Rio, por exemplo, foi a gravada para os Jogos de Londres, com arranjos do compositor Philip Sheppard. “Esse corte da primeira para a segunda parte nunca criou muitos problemas porque as competições eram fora do país. Dessa vez, como é aqui no Brasil, há uma presença massiva da torcida cantando o hino e com esse hiato fica difícil de acompanhar”.

O momento em que são tocados os hinos faz parte do protocolo de cada uma das competições. Por isso, há uma especificação sobre o procedimento no “Manual Técnico de Protocolos”, documento oficial publicado pelo COI e direcionado às cidades que se candidatam para receber os Jogos. Nele, está escrito que “o Comitê Organizador deve providenciar uma versão resumida dos hinos de todos os países participantes dos Jogos Olímpicos”. Isso significa que a responsabilidade, no caso da Rio-2016, é do Comitê Olímpico Brasileiro. O protocolo do COI reserva um tempo máximo para execução de 1 minuto e 30 segundos para cada hino (a versão completa do hino brasileiro tem 3 minutos e 43 segundos).

A nova versão do hino brasileiro ultrapassa um pouco esse limite, pois tem 1 minuto e 45 segundos. Tiago conta que a adaptação se encaixa inclusive na Legislação do país: “Quando o hino é cantado, é obrigatório executar as duas partes. No instrumental, pode ser tocada apenas a primeira parte”. Ele ainda explica que a maioria dos hinos nacionais tem uma média de 1 minuto de duração e que, às vezes, os hinos que fogem a esse padrão podem ultrapassar um pouco o tempo determinado: “Em 2012, a versão do hino do Azerbaijão tinha quase 2 minutos e foi executada na íntegra. Mas essa não é a regra. Os hinos latino-americanos, por exemplo, foram compostos no Século XIX, numa época onde as óperas estavam em evidência. Por isso, são mais longos que os europeus e asiáticos”.

No “Manual Técnico de Cerimônias”, o COI informa os Comitês Organizadores de que “é habitual regravar os hinos a cada edição, pois eles podem sofrer alterações entre uma edição dos Jogos e outra”. Dessa vez, porém, não foi assim: “Até Atlanta (1996), o Comitê procurava fitas com as gravações, fazia eventuais edições e entregava para os Comitês Nacionais avaliarem. A partir de Sydney (2000), foram convidados maestros para fazerem arranjos e as gravações com uma única orquestra. No Rio, foram reutilizadas as gravações de Londres”, conta Tiago. O Manual do COI ainda exige que os Comitês locais deem o aval para que os arranjos sejam aprovados.

A execução dos hinos, um dos momentos mais importantes para a valorização da identidade de cada nação, vem provocando outras polêmicas na Rio-2016. Logo no primeiro dia do futebol masculino, na véspera da abertura oficial, a organização cometeu uma gafe e tocou o hino do Níger no lugar do hino da Nigéria, que venceria o Japão por 5 a 4 em Manaus. Já o pianista Jason DeBord, em declaração ao The New York Times, afirmou tirar o som da TV quando é tocada a melodia do hino norte-americano. Ele considera o tom da versão tocada nos locais de competição “derrotista”.

Berg faz uma ponderação: “É muito difícil acertar todos os arranjos de todos os hinos. O tempo de execução do hino da Espanha, por exemplo, é definido por um decreto real desde 1997, mas esse decreto raramente é seguido à risca. O próprio arranjo para o hino da Grã-Bretanha foi criticado na edição de 2012. Entretanto, deve-se reconhecer que providenciar versões para orquestra para mais de 200 nações soa como uma verdadeira maratona olímpica para qualquer maestro; ainda mais para alguém que raramente já tenha ouvido na vida o hino da Suazilândia ou do Tajiquistão”.