Para escrever o “Almanaque das Bandeiras”, que lancei em 2001 pela Editora Moderna e hoje está fora de catálogo, comprei muitos livros sobre o assunto. Tenho um bom número deles na minha prateleira. A eles veio se juntar recentemente “A Flag Worth Dying For – The Power and Politic of National Symbols” (“Morrendo por uma Bandeira – O Poder e a Política dos Símbolos Nacionais”), do norte-americano Tim Marshall. De diferente dos outros, o que me chamou a atenção nesse foi o capítulo dedicado ao que o autor chamou de “Bandeiras do Medo”.

LIVRO “A Flag Worth Dying For – The Power and Politic of National Symbols”
O capítulo é aberto com uma frase da escritora J.K. Rowling, autora da série Harry Potter: “Ter medo de um nome é ter medo de uma coisa”. Na sequência, Marshall destaca a importância de compreender as organizações terroristas a partir do significado de seus símbolos. Veja alguns exemplos que estão no livro:

Estado Islâmico

A bandeira do Estado Islâmico é preta com um círculo branco que se inicia no centro e se desloca por quase toda a parte inferior. Dentro desse círculo encontra-se uma inscrição em preto que traduzida do árabe significa “Maomé é o mensageiro de Deus”. Na parte superior da bandeira, a inscrição em branco pode ser traduzida para “Não há nenhum deus além de Deus”. São duas frases retiradas da chahada, a profissão de fé dos muçulmanos. Um detalhe interessante é a forma da escrita mal cuidada, quase grosseira. Trata-se de uma oposição à caligrafia bem certinha da bandeira da Arábia Saudita, que também faz uso de trechos da chahada. Assim, o EI se posiciona como um movimento que regressa aos verdadeiros ideais do Islã. O círculo branco da bandeira foi encontrado em forma muito semelhante no palácio Topkaki, em Istambul, e teria sido gravado por Maomé. Uma das profecias de Maomé versava sobre um conflito entre o exército romano (que hoje pode ser representado pelo Ocidente) e os islâmicos: “Bandeiras negras virão do leste e os matarão como nunca antes foi feito por uma nação”. Assim, os islâmicos venceriam a batalha e entrariam na Europa dentro dessa interpretação do Estado Islâmico.

Outros grupos jihadistas

 

Um dos principais grupos opositores ao EI na Síria é o Jabhat Fateh al-Sham, que significa Front da Conquista da Síria. A bandeira também usa o retângulo preto com inscrições bancas grafadas em árabe clássico e retiradas da chahada. Esse estilo da bandeira do Estado Islâmico aparece em outros grupos como o al-Tawhid wal-Jihad, que atua na Faixa de Gaza, o Boko Haram, na Nigéria, e alguns movimentos jihadistas da Chechênia. O al-Shabab, da Somália, leva uma bandeira negra com inscrições em branco para as guerras, mas administrativamente usa uma configuração oposta: bandeira branca com inscrições em preto. É uma forma de deixar bem nítida a diferença entre tempos de paz e tempos de guerra.

Hezbollah

Com área de atuação que abrange os territórios do Irã e do Líbano, o Hezbollah tem uma bandeira colorida oficialmente em verde, amarelo e vermelho, mas variações em outras tonalidades também podem ser encontradas. No retângulo amarelo surge o símbolo do grupo (uma mão armada sobre um globo) em verde. O amarelo representa a disposição da organização para lutar pela paz na região. O globo simboliza a atuação do Hezbollah ao redor do planeta. Um ramo de sete folhas e o livro sagrado do Corão também fazem parte do escudo. Em vermelho, grafa-se na parte superior, da direita para a esquerda, “Hezbollah”. Na parte inferior, “A resistência islâmica no Líbano”.

Hamas

Outro dos grupos que atuam na Faixa de Gaza, o Hamas também usa a chahada em sua bandeira. Porém, o fundo é verde, tornando a bandeira muito parecida com a da Arábia Saudita. O verde é a cor dos islâmicos, o que sugere uma bandeira que representa o islamismo como um todo, e não exatamente um grupo terrorista. O grupo possui uma segunda bandeira que mostra na parte superior um mapa que abrange Israel, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Porém, tal representação não demarca nenhuma fronteira, como se tudo fosse um território só. Esse símbolo tem ainda duas espadas cruzando a Cúpula das Rochas, símbolo de Jerusalém, abraçadas por uma bandeira da palestina. Debaixo da Cúpula das Rochas encontra-se a frase “Movimento de Resistência Islâmica”.

Fatah

O Fatah tem talvez a bandeira com maior quantidade de informações dentre os grupos terroristas. Assim como o Hezbollah, o grupo adota o retângulo amarelo, embora existam versões onde este aparece em branco. A palavra “Fatah” é usada muitas vezes para representar a rápida ascensão islâmica depois da morte do profeta Maomé. Ao centro da bandeira, dois braços carregados de bandeiras da Palestina empunham metralhadoras sobre o território da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e de Israel, também sem fronteiras demarcadas. Uma granada surge logo abaixo das metralhadoras. Ao centro lê-se a palavra “Fatah”. No topo está a expressão “Al-Asifa”, que significa “a tempestade”. Já na parte inferior grafa-se “Thawrah Hatta Al-Naser”, que pode ser traduzido como “Revolução até a vitória”.