Um dos símbolos mais fortes da relação de amor do torcedor com um time de futebol é a sua camisa. Só que, em tempos recentes, os fãs precisam se acostumar com as mudanças constantes nos desenhos desses “mantos sagrados”.  São dois ou até três modelos por ano, sem contar mudanças de patrocinador, camisas comemorativas e até campanhas beneficentes estampadas nas costas. Essas transformações viraram um livro em 2009:  A história das camisas dos 12 maiores times do Brasil, publicado pela Panda Books. A obra trouxe os desenhos de cerca de 1.900 camisas de Atlético Mineiro, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco desde a fundação até 2009.

Livro traz 1.339 novas camisas dos 12 maiores times do Brasil
O sucesso do primeiro volume fez o livro entrar para o rol de documentos históricos do futebol brasileiro e figurou até em comercial da Nike para promover o lançamento da camisa comemorativa do centenário corintiano, em 2010. Desde então, muitas camisas foram lançadas pelos times e, para atender aos inúmeros pedidos dos leitores e colecionadores, a Panda Books está lançando o segundo volume do livro, que reúne as camisas usadas em campo pelas equipes ao longo dos sete anos que se passaram desde o lançamento da primeira edição. O designer Mauricio Rito segue responsável pelas ilustrações, retratando fielmente os detalhes dos modelos originais. “Assistimos a cerca de 6 mil jogos desses 12 clubes nos últimos sete anos”, calcula o jornalista Rodolfo Rodrigues, responsável pela pesquisa dos novos 1.339 uniformes. Rodolfo é criador do blog Futebol em Números, no UOL Esporte. As páginas coloridas e os desenhos detalhistas são os trunfos do livro para conquistar o leitor. A exemplo do primeiro volume, o livro traz depoimentos de craques que vestiram as camisas de cada time retratado.

Veja algumas das camisas mais curiosas do livro:

Atlético Mineiro – Cadê a camisa? (2016)

Em 2016, o mercado de fornecedoras de material esportivo se movimentou com a chegada da empresa canadense DryWorld, que fechou contrato com dois dos grandes clubes brasileiros: o Atlético Mineiro e o Fluminense. No caso do Galo, a fornecedora optou por não ousar: os desenhos das camisas 1 (listrada em preto e branco), 2 (toda em branco) e 3 (toda em preto) não tiveram grandes alterações em relação aos anteriores – a maior novidade, no uniforme principal, foi a inserção de um enorme quadrado branco onde estava inserido o número em preto. O problema é que a parceria naufragou por causa do atraso nos pagamentos. Houve também problemas no repasse dos materiais. Em duas partidas no Estádio Independência (contra o Atlético Paranaense pelo Brasileirão e contra a Ponte Preta pela Copa do Brasil), o Galo precisou atuar com o seu uniforme 2 porque não recebeu o lote de camisas principais. Os atletas das categorias de base passaram boa parte do ano usando os antigos modelos da Puma. Terminado o ano, o contrato de cinco anos foi rescindido.

Botafogo – A maldição do cinza (2010)

Em 2010, o Fogão lançou um uniforme alternativo em duas cores: metade preto e metade cinza. O uso de uma cor que não está no escudo incomodou alguns torcedores, mas o próprio estatuto do clube prevê o cinza como tonalidade a ser eventualmente utilizada. A estreia, porém, foi um enorme desastre. Jogando no Engenhão (hoje Nilton Santos), o Glorioso levou 6 x 0 do rival Vasco. O suficiente para que a novidade caísse em desgraça entre os botafoguenses. Dali em diante, o clube decolou e foi campeão carioca, vencendo os dois turnos. De folga graças à final que não precisou disputar, marcou um amistoso contra o Corinthians, eliminado do Paulistão, para receber as faixas. Venceu com facilidade por 3 x 1. Em 2015, o clube resolveu lançar uma camisa toda em cinza como uniforme dois e até foi campeão brasileiro da Série B com ela. No Brasileirão de 2016, porém, foram três jogos e três derrotas. No jogo seguinte em que não pôde usar sua camisa principal, o time entrou de branco. Resultado: vitória sobre o Figueirense.

Corinthians – Homenagem ao terrão (2015)

Para a temporada de 2015, a novidade no vestuário corintiano foi uma camisa toda laranja.  A justificativa da Nike foi de que era uma referência ao “Terrão”, o antigo campo de terra onde se realizavam as peneiras e treinamentos das primeiras categorias de base do clube dentro do Parque São Jorge. A moda pegou e os jogos na Arena Corinthians passaram a ter cada vez mais “pontos laranjas” na arquibancada. Parte da torcida, no entanto, reclamou e até uma faixa “Corinthians é preto e branco” apareceu em um dos setores do estádio. O curioso é que naquele ano o time não lançou um uniforme 2 e o laranja ocupou essa lacuna. E quis o destino que a partida que sacramentou o título brasileiro fosse contra o Vasco, em São Januário, no Rio de Janeiro. Sem poder usar o branco e sem o registro da camisa 2 lançada naquela semana, a única solução seria o laranja. Para não levantar a taça com um uniforme tão diferente de suas tradições, o Corinthians “ressuscitou” o modelo alvinegro do ano anterior.

Cruzeiro – A imagem do Cruzeiro resplandece (2014)

Um dos maiores jogadores da história do Cruzeiro, o goleiro Raul Plasmann imortalizou o uniforme amarelo, que vestiu por acaso num clássico contra o Atlético e que deu sorte. Em 2010, como forma de homenagear seu ídolo, o Cruzeiro lançou um quarto uniforme amarelo, com listras finas horizontais em azul. Inicialmente, a ideia seria usar o uniforme em três partidas no Mineirão. Depois, o clube voltou atrás e a camisa se tornou mera peça de colecionador. À época do lançamento, o marketing do clube alegou que uma camisa amarela em ano de Copa do Mundo poderia fazer com que o cruzeirense unisse suas paixões pelo clube e pela Seleção em uma só camisa. Quatro anos depois, foi justamente isso que aconteceu. Foi lançada uma camisa toda amarela para aproveitar o embalo da Copa do Mundo no Brasil – a exemplo do que fizeram Corinthians, Palmeiras, Internacional, Santos, Ponte Preta e Chapecoense, dentre outros. A novidade foi enfim utilizada nas partidas contra Coritiba e Sport (vitórias por 3 x 2 e 2 x 0). Os dois jogos foram no Mineirão, onde algum tempo depois o Brasil levou os acachapantes 7 x 1 da Alemanha, na semifinal do mundial.

Flamengo – A “Papagaio de Vintém” (2015)

Embora o futebol do clube tenha nascido em 1912, o Flamengo surgiu como clube de remo em 1895. Por isso, o ano de 1995 foi marcado por intensas comemorações de seu centenário. Para celebrar, a Umbro lançou uma réplica da camisa de 1912. Conhecida como “Papagaio de Vintém” (pela semelhança com uma pipa), ela trazia quatro quadrados enormes, sendo dois vermelhos (cantos superior esquerdo e inferior direito) e dois pretos (cantos superior direito e inferior esquerdo). Usando a “Papagaio de Vintém”, o Mengão fez nove jogos e não ganhou nenhum. Foram quatro empates e cinco derrotas em uma temporada melancólica. Em 2015, tentando superar a maldição, a “Papagaio de Vintém” voltou. Na estreia, derrota por 1 x 0 para o rival Botafogo pelo Campeonato Carioca. Depois, em um jogo contra o Volta Redonda, o clube usou o uniforme no primeiro tempo e ficou no 1 x 1. Na etapa final, com a camisa tradicional, venceu por 2 x 1. A maldição só foi quebrada na vitória por 2 x 0 sobre o Bonsucesso.

Fluminense – Estatuto derrubado (2013)

Em 2002, ano em que completou 100 anos, o Fluminense lançou uma camisa laranja em homenagem ao bairro das Laranjeiras, onde está situado. A torcida aprovou, mas o Estatuto impedia que o clube entrasse em campo com um uniforme de qualquer cor que não as do escudo (verde, branco e grená). Assim, a camisa só foi usada uma vez, no primeiro tempo de um amistoso contra o mexicano Toluca. Onze anos mais tarde, em 2013, o marketing venceu a queda de braço: o estatuto foi alterado e o Flu lançou uma nova camisa laranja. Extravagante, daquelas que se enxerga a quilômetros (a de 2002 tinha um tom bem mais suave), ela também caiu nas graças da torcida. Apesar da estreia com vitória (2 x 1 sobre a Portuguesa), a camisa não salvou o time de um vexame na temporada. O Fluminense só não foi rebaixado porque a própria Portuguesa perdeu quatro pontos por uma escalação irregular. O uniforme laranja ainda foi usado em parte da temporada de 2014.

Grêmio – Valorizando o preto (2012)

Um dos times que mais resistem a mudanças em seus uniformes, o Grêmio nunca valorizou muito o preto. Ele está presente no tradicionalíssimo uniforme tricolor, volta e meia aparece com algum detalhe em outros modelos, mas durante 109 anos nunca foi o protagonista. Isso até 2012, quando a direção do clube lançou uma camiseta toda em preto com detalhes e números em azul. A estreia foi com o pé direito: 4 x 0 sobre o Figueirense pelo Brasileirão. No ano seguinte, a Topper lançou uma camisa de desenho muito semelhante, mas o resultado na estreia não foi tão bom: empate em 0 x 0 com o Bahia em Porto Alegre.

Internacional – Resgate dos anos 1970 (2010)

Em 2006, o Internacional foi campeão da Libertadores e se classificou para o Mundial de Clubes. Nos dois jogos da vitoriosa campanha, usou apenas seu uniforme branco (com golas, ao contrário do que a utilizada no resto do ano). Em 2010, bicampeão da América, o Inter partiu para os Emirados Árabes com um modelo especial desenhado pela Reebook. Nos anos anteriores, a empresa vinha apostando em em uniformes com vários detalhes nas mangas e um design mais moderno. Para a disputa do bi mundial, resolveu mudar e a camisa resgatou o desenho dos anos 1970: design clássico, todo em vermelho e até com a fonte da numeração inspirada nos modelos antigos. Vestido para enfrentar a Internazzionale, da Itália, na aguardada final, o clube estreou o uniforme na semi contra o Mazembe, do Congo. Os africanos aprontaram e venceram por 2 x 0, destruindo o sonho Colorado e fazendo do uniforme clássico o símbolo do vexame.

Palmeiras – De volta aos bons tempos (2011)

Em 2011, o Palmeiras vivia um momento de baixa. Depois de boas temporadas entre 2007 e 2009, o 2010 do clube foi muito ruim e 2011 estava seguindo o caminho. Para tentar resgatar o orgulho do torcedor, a diretoria alviverde lançou um uniforme comemorativo para exaltar uma das mais vitoriosas épocas vividas pelo palmeirense. Afinal, com a camisa verde listrada em branco, o Palmeiras foi bicampeão paulista e brasileiro em 1993/94. O curioso é que o modelo escolhido para a volta ao passado foi o do verde bem claro, muito mais próximo daquele usado em 1992, quando o Verdão perdeu do São Paulo na final do Paulistão e deixou escapar a chance de quebrar um jejum de títulos que durava desde 1976. A estreia da camisa foi no jogo da eliminação do clube na Copa Sul-Americana, apesar da vitória por 3 x 1 sobre o Vasco, no Pacaembu.

Santos – Azul da cor do mar (2012)

Em geral, um clube que lança um uniforme comemorativo para os seus 100 anos opta por recuperar algum modelo clássico. Com o Santos, foi diferente. O marketing do Peixe criou uma camisa azul-claro. Mais do que isso, ela substituiu a tradicionalíssima listrada alvinegra, já que naquele ano a Nike, então fornecedora, não lançou uma camisa 2. A inspiração para o azul-claro foi o mar da cidade de Santos e a fonte do Itororó, cartão-postal da cidade. Sem o modelo listrado, o Peixe acabou usando o uniforme diferente até mesmo em ocasiões especiais, como partidas do mata-mata do Paulistão (semifinal contra o São Paulo e ida da final contra o Guarani) ou da Libertadores da América (jogos contra o The Strongest em casa, na fase de grupos, e Corinthians, fora de casa, na semifinal). Apesar de a camisa ter sido bem aceita pelos torcedores, a ausência da clássica camisa reserva pesou e, em outubro de 2012, a Nike lançou um modelo mais tradicional.

São Paulo – Banho de tinta (2013)

No final de 2012, uma pequena reforma no Estádio do Morumbi deixou todas as cadeiras do estádio em uma só cor: o vermelho. A diretoria, então, preparou uma grande ação para comemorar a novidade na partida das quartas de final do Paulistão de 2013, contra a Penapolense: uma camisa “pintada” em vermelho. Veja bem: não é uma camisa vermelha, mas sim “pintada” de vermelho, como se tivesse levado um banho de tinta. As tradicionais faixas horizontais, os patrocínios e o escudo apareceram cobertos pelo vermelho. Além disso, as redes do estádio também foram especialmente pintadas no mesmo tom. A bola, no entanto, demorou para ir de encontro a elas. Em uma partida difícil, de poucas chances para os dois lados, o gol da classificação são-paulina só saiu aos 27 minutos do segundo tempo, quando Jailton marcou contra. O uniforme nunca mais foi usado pelos jogadores de linha, mas o goleiro Rogério Ceni vestiu o modelo em algumas outras partidas.

Vasco – Traço de união Brasil-Portugal (2013)

Do escudo ao hino, o Vasco sempre tratou de exaltar as raízes portuguesas. Em 2010, pela primeira vez isso se materializou de forma mais evidente em um uniforme: foi lançada uma camisa número 3 branca, com uma enorme cruz de cristo vermelha ocupando boa parte do desenho. A cruz era uma referência à Ordem dos Cavaleiros Templários, organização de navegadores portugueses da qual fazia parte Vasco da Gama. Três anos mais tarde, a Penalty lançou uma linha de camisas retrô para Santa Cruz, Náutico, Vitória, Figueirense, Ceará, São Paulo e Vasco. O cruzmaltino foi o único que não teve na sua retrô um uniforme antigo, mas sim um desenho inédito, inspirado em uma carta de Vasco da Gama ao Rei de Portugal. Os tons de bege tiveram ao fundo uma caravela e um mapa do território brasileiro. No lugar do escudo, o brasão português com a cruz de malta. As marcas da Penalty e da Caixa Econômica Federal também recuperaram identidades visuais antigas das duas empresas.