Olívio Henrique da Silva Fortes, o comediante Lilico, começou a carreira artística em 1958 como imitador. Mas não um imitador qualquer. Ele imitava as imitações de atores e narradores feitos pelo grande José Vasconcelos. Com o tempo, Lilico passou a imitar também vozes de cantores e cantoras. Por isso, ele se intitulava um “humorista-imitador”, o que lhe garantiu muito sucesso em boates, clubes, teatros, emissoras de rádio e televisão. Chegou a catalogar 100 vozes. Seu sucesso era tão grande que ele passou a ser imitado por outros artistas, entre eles Raul Gil.
Um parêntese. Antes de Lilico comediante iniciar a carreira artística, no Rio de Janeiro, havia em São Paulo desde 1954 um personagem chamado “Lilico Swing”, interpretado pelo ator Augusto Machado de Campos , o Machadinho. Foi um personagem criado por Otávio Gabus Mendes, pai de Cassiano, para a Rádio Bandeirantes. Era um playboy paulistano, tipo esnobe, que vivia no Jardim América – uma sátira e crítica social ao paulistano quatrocentão. Do rádio, ele foi para a TV Paulista, contracenando com Renato Corte Real, que fazia Neco, amigo mais pobre de Lilico Swing. Depois, a dupla foi para a TV Tupi e estrelou o programa “Night Club Cinta-Azul”. Fecha o parêntese.

Lilico que passou de humorista-imitador a humorista em 1968, quando começou a participar do “Balança, mas não cai”, na TV Globo. Ali, ele mostou seu talento, se destacando no meio de feras, como Brandão Filho e Paulo Gracindo (Primo Pobre e Primo Rico) e Lúcio Mauro e Sônia Mamede (Fernandinho e Ofélia, ela que só abria a boca quando tinha certeza). Lilico também era um grande criador de bordões. São de sua lavra: “É bonito isso?”, “Depois que inventaram o ‘tá ruim’ não ficou bom pra mais ninguém!”, “Trabalhas na casa?” e “Não saia sem falar comigo”.

Aproveitando o estrelato, Lilico criou um tipo que era ele próprio. Ele entrava em cena com um bumbo, cantando uma música de sua autoria, chamada “Tempo Bom”, que ele gravaria em compacto simples. Com o sucesso do personagem, Lilico e o comediante Roni Cócegas ganharam em 1969 um programa infantil: “Lilico & Cócegas”. O primeiro programa homenageou Pelé, que acabara de completar seus 1 mil gols.

Houve também uma ruidosa polêmica entre Lilico e Gilberto Gil. A TV Globo tinha um programa chamado “Oh, que delícia de show”, do qual Lilico fazia parte. Foi ali que ele – natural da região de Bangu e Realengo, no Rio de Janeiro – começou a usar o bordão: “Alô, alô, Realengo! Aquele Abraço!!” O sucesso do bordão fez até o programa mudar de nome em 1969. “Oh, que delícia de show” virou “Alô, Brasil! Aquele abraço!”. Nesse meio tempo, em dezembro de 1968, logo depois da promulgação do Ato Institucional Nº 5 (o AI-5), Gilberto Gil e Caetano Veloso foram presos em São Paulo, acusados de desrespeito à bandeira e ao hino nacional durante um show. Os dois foram levados para o quartel de Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro, ficando cada um em uma solitária. Ali, na solitária, Gil ouvia os soldados lhe cumprimentarem com um “Aê, Gil! Aquele abraço!”. O que os soldados faziam, na verdade, era repetir o bordão de Lilico, que estava começando a cair na boca do povo. Ao serem soltos, algum tempo depois, Gil e Caetano foram aconselhados pelos próprios militares a deixarem o país. No voo para Salvador, Gil rascunhou a letra de uma canção com base naquele tal abraço que ouviu dos carcereiros, sem saber que se tratava de um bordão. Gravou um compacto com a música “Aquele abraço”, que estourou nas paradas de sucesso. Sucesso que ele praticamente não pôde usufruir porque exilou-se, junto com Caetano, em Londres. Obviamente Lilico não ficou nem um pouco feliz de ouvir seu bordão em uma música sem ter sido consultado. De pirraça, ele gravou uma música com base num outro bordão seu – o “é bonito isso?” –, que foi uma resposta a Gilberto Gil.
Lilico foi um ótimo comediante, me lembro muito dele na praça é nossa, mas infelizmente nos deixou.