Em junho deste ano, a cantora gospel Ana Paula Valadão foi protagonista de uma polêmica que correu o país: ela fez uma postagem no Instagram manifestando sua “#SantaIndignação” contra o filme publicitário de Dia dos Namorados da C&A – a campanha “Dia dos Misturados” mostrava homens vestidos com roupas femininas e mulheres vestidas com roupas masculinas. Com hashtags como “#HomemVesteComoHomem” e “#NãoÀIdeologiadeGênero”, ela pediu um boicote dos fãs à marca. Apesar da péssima repercussão da mensagem, a cantora recebeu o apoio de muitas outras pessoas e o caso foi parar no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Por unanimidade, o conselho arquivou a representação, alegando que a campanha não infringiu nenhum valor moral, mas sim fez valer o direito à liberdade de expressão.

Até setembro deste ano, o Conar julgou outras 195 denúncias como essa, a maioria a partir dos próprios consumidores. Em agosto, houve uma da ação contra a propaganda da Sadia, onde um presunto (de uma marca mostrada na peça como inferior) era chamado de “Luís Augusto”. Muitos “xarás” do embutido se sentiram ofendidos. Mas o órgão também arquivou a denúncia, dizendo que não houve desrespeito e que muitos consumidores chamados Luís Augusto manifestaram-se positivamente nas redes sociais. Além das denúncias enviadas pelos consumidores, o Conar recebe ações que partem de outras empresas e agências, e também de seus próprios conselheiros.

A lista completa das mais de 8 mil representações tomadas desde 1978 pode ser acessada no site do órgão na seção “Decisões”. Separamos as 10 queixas mais insólitas recebidas pelo Conselho em 2016.

1. Não é nenhuma novidade que as marcas de café usem o aroma do produto como atrativo em suas peças publicitárias. No entanto, uma consumidora de Itajubá (MG) acionou o Conar em fevereiro por conta de um anúncio na TV em que o café era associado à sensualidade: “Quando o sinto o seu cheiro, fico louco de prazer e dá vontade de te possuir”, dizia a narração. O conteúdo em si não foi a causa da reclamação. O problema é que a marca se chama Café Padre Victor, em referência a um dos sacerdotes mais famosos do sul de Minas, o que a consumidora considerou um desrespeito. Apesar de reconhecer a ambiguidade, o Conar arquivou a denúncia porque não havia na propaganda nenhuma imagem religiosa ou mesmo de qualquer pessoa – apenas as embalagens eram mostradas.

2. O Banco Itaú foi alvo de cerca de trinta reclamações no Conar por causa do neologismo “Digitaú”, formado a partir das palavras “Digital” e “Itaú”. O termo foi o mote da campanha criada pela agência África para anunciar a plataforma digital do banco. As reclamações eram justificadas sob a alegação de que a ênfase na grafia do “Digitaú” poderia confundir as crianças e as induzir ao erro. O caso foi julgado e arquivado em março, justamente por considerar comum o uso de neologismos na publicidade. De todo o modo, o banco fez um novo comercial, explicando as diferenças entre “digital” e “digitaú”.

3. Um dos maiores memes da internet em 2013 serviu de base para uma recente campanha da Nissan na internet. Para anunciar um novo modelo, a montadora usou vários vídeos de anônimos em situações constrangedoras que “viralizaram” na internet. Dentre eles, o da menina Giovanna, que é filmada pela mãe dançando funk até acidentalmente derrubar em cima dela mesma um forno micro-ondas. “Segura o forninho” virou uma frase conhecida por quase todo mundo, mas isso não aliviou a barra da agência Lew’Lara/TBWA. Pelo menos não para um consumidor de São José do Rio Preto (SP), que não gostou nada de ver uma criança fazendo movimentos considerados por ele como sensuais. A argumentação da agência de que se tratava de um meme sem nenhuma maldade não convenceu o relator Licínio Motta, que, acompanhado pela maioria dos juízes, solicitou a alteração do conteúdo do filme em maio deste ano.

4. Associar a venda de ovos de chocolate ao coelho no período da Páscoa parece algo absolutamente natural, certo? Errado. Quatro consumidores das cidades de Votorantim (SP) e São Paulo moveram ação no Conar contra a Lacta por causa de sua campanha para a Páscoa desse ano – “Você faz a magia acontecer”. O motivo da queixa foi a representação dócil e amável de um coelho de verdade que, segundo esses consumidores, “se trata de um roedor que pode morder e arranhar quem dele se aproxima”. Assim, eles consideraram que a campanha poderia induzir crianças de pouca idade e se aproximar perigosamente do animal. O caso foi arquivado por unanimidade já que os juízes consideraram evidente o caráter fantasioso da peça.

5. Em um anúncio de TV, a Uninove destacava em sua infraestrutura o acesso à rede wi-fi para todos os alunos. Uma estudante de Carapicuíba (SP), porém, não estava satisfeita com a conexão e decidiu se queixar contra o que ela considerou uma propaganda enganosa da universidade. O problema é que a defesa da faculdade conseguiu comprovar que a conexão estava, sim, disponível. E mais: os dados do sistema mostraram que a própria denunciante fez uso da rede. Diante de tudo isso, ficou fácil arquivar a representação.

6. Uma consumidora de São José do Rio Preto (SP) ficou bastante atenta aos benefícios anunciados na propaganda do absorvente da P&G. Entre as várias ações quase impossíveis que o produto em tese permite realizar, estava entrar em um trem já partindo. A atriz corre, se estica, chega a ser levemente prensada pela porta, mas entra. Um exemplo extremamente perigoso na visão dessa consumidora. A relatora Ana Paula Cherubini dos Santos, no entanto, entendeu que se tratava de uma peça ficcional e que não induziu ninguém a sair pulando em trens em movimento por aí.

7. A peça publicitária do serviço de TV por assinatura da GVT mostrava, em determinado momento, um menino ganhando uma tartaruga de presente dos pais. Foi o suficiente para que um telespectador de Mesquita (RJ) e outro de Belo Horizonte se manifestassem, em movimento que seria repetido por várias outras pessoas nos dias seguintes. A queixa era uma só: o incentivo à compra de animais silvestres, que muitas vezes são contrabandeados. No entanto, bastou a Agência África lembrar que há uma regulamentação para compra e venda de animais silvestres no Brasil para que a representação fosse arquivada.

8. O Motel Le Piège, de Curitiba, usou o livro best-seller “50 tons de cinza” para divulgar os seus serviços em um outdoor. Uma transeunte ficou chocada com o que classificou ser uma ultrapassagem aos “limites da decência” e resolveu acionar o Conar. Contudo, o conselho considerou o outdoor dentro da “decência prevalecente em nosso tempo”.

9. A propaganda do aplicativo iFood com o humorista Fábio Porchat também foi motivo de reclamação. A “vingança” para cima da telefonista Judith, personagem de uma esquete do canal Porta dos Fundos, foi considerada por um consumidor de Florianópolis como um incentivo aos trotes ilegais. O relator considerou que o caráter cômico ficou evidente e, portanto, não havia motivo para alterar o conteúdo da peça.

10. A impressionante redução de peso do humorista Leandro Hassum virou piada na propaganda dos Cimentos Votorantim. Quando perguntado sobre o que tinha provocado tamanho emagrecimento, ele respondia: “ah, cortei o glúten”. Uma consumidora paulistana entendeu a ironia como prejudicial ao consumidor. Ela não aceitou a omissão do fato de que, na vida real, Hassum fez uma cirurgia bariátrica. O Conar reconheceu um óbvio e evidente exagero na propaganda, que estava nitidamente fazendo uma brincadeira. Assim, a defesa da agência E21, criadora da propaganda, foi aceita por unanimidade.