A expressão fake news se popularizou há pouco tempo, mas isso não quer dizer que notícias falsas sejam um fenômeno novo. Apesar da frequência ser menor antigamente (não estávamos ainda na era da internet), não faltam casos de mentiras disseminadas por rádios e jornais ao longo da história. Em alguns deles, o intuito era o mesmo que o das notícias falsas atuais — manipulação política — enquanto outros tinham o simples objetivo de pregar uma peça nos leitores e ouvintes.
O caso mais clássico de mentiras amplamente divulgadas é o de Orson Welles, radialista que adaptou o livro “A Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells, ao formato de uma transmissão noticiosa, em 30 de outubro de 1938. Só que os ouvintes não foram informados de que se tratava de uma brincadeira. A ação gerou pânico. Muitos acreditaram que a invasão extraterrestre estava de fato acontecendo. A estação de rádio recebeu centenas de ligações desesperadas, e médicos, enfermeiras e soldados se voluntariam para lutar contra os marcianos e ajudar os afetados pelo conflito.
Durante a Primeira Guerra Mundial, jornais europeus publicaram a notícia sobre o descobrimento de uma fábrica alemã que extraía glicerina de cadáveres de guerra para produzir manteiga e sabão. Plantada pelo serviço secreto britânico (MI7), que empregava 25 escritores em diversos jornais, a informação foi uma tentativa de manchar a imagem pública do inimigo. A fraude só foi revelada décadas depois.
Na Segunda Guerra Mundial, os alemães foram novamente alvos de notícias falsas. O jornalista britânico Sefton Delmer coordenou diversas rádios e impressos que misturavam relatos reais com alegações mentirosas, como a de que soldados alemães estariam sendo injetados com sífilis pelas autoridades militares do país. Uma das estações de rádio, cujo sinal chegava à própria Alemanha, era apresentada por um homem chamado de “Der Chef”, que se passava como oficial do alto escalão da SS, usando a transmissão para criticar posturas corruptas do regime nazista.
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Na edição de 21 de agosto de 1835, o jornal The New York Sun anunciou que o famoso astrônomo Sir John Herschel teria encontrado vida na Lua. E não era uma mera nota! A informação veio em uma série de reportagens, publicadas ao longo da semana, que descreveram minuciosamente as tecnologias utilizadas para o estudo e os povos descobertos. No mês seguinte, depois de conseguir uma porção de novos assinantes atraídos pelas reportagens sobre vida extraterrestre, o jornal anunciou que tudo não passara de uma fraude.
Depois do grande terremoto que ocorreu em Lisboa, no ano de 1755, tanto a igreja quanto outros órgãos oficiais interpretaram o acontecimento natural como um tipo de vingança divina. Disso surgiram inúmeros panfletos de fake news que espalharam o boato de que os sobreviventes teriam sido salvos por uma aparição da Virgem Maria. Essa febre foi uma das maiores influências no pensamento do filósofo iluminista Voltaire (1694-1778), cuja crítica à irracionalidade focava especificamente na lógica religiosa.
Durante as eleições norte-americanas de 1800, um dos partidos políticos produziu reportagens que diziam que o candidato da oposição, Thomas Jefferson, havia morrido. Apesar de terem conseguido enganar um número considerável de eleitores, Jefferson ainda foi o vencedor.
Um dia bom para disseminar notícias falsas é 1º de Abril. Pois em 1º de abril de 1951, a rádio Jovem Pan transmitiu uma partida na qual o São Paulo levou uma goleada de 8 x 1 do Milan, da Itália. Enquanto Geraldo José de Almeida se ocupou da narração, o radialista Hélio Ansaldo fez a sonoplastia, os gritos da torcida e até o som da bola. O dia da partida falsa também era plausível, por estar em uma data vazia entre dois jogos programados. No dia seguinte, alguns veículos noticiaram a mentira antes que a rádio pudesse deixar claro que a transmissão havia sido uma piada.
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Vendedores de jornal costumavam gritar as manchetes da edição para atrair compradores e também para informar a parcela analfabeta da população. Em 1888, dois homens foram presos em Londres por anunciar seus jornais publicamente com a falsa manchete de que Jack, O Estripador havia sido preso naquela noite. Eles não foram os únicos: outro vendedor de jornais chamado James Kendrick anunciou a edição do dia nas ruas dizendo que quatro vítimas do serial killer haviam sido descobertas em Charing Cross, estação de trem central na capital inglesa. Ele foi denunciado por um leitor que, ao comprar o jornal, não encontrou uma única linha sobre o caso. Na época, o escândalo do assassino de mulheres era a história que mais vendia exemplares.
Avisar que o assunto é falso pode não ser suficiente quando o formato dele é muito parecido com o real. Foi o que aconteceu em 1874 com o New York Herald, que dedicou a capa ao relato de uma suposta fuga de animais do Zoológico do Central Park. A reportagem usou ilustrações para contar a história de que eles estariam à solta pela cidade. Ainda que a página terminasse com a frase “É claro que tudo isso acima é pura invenção” em letras pequenas, o Herald ainda foi capaz de causar pânico em massa: aulas foram canceladas, a polícia acabou sendo acionada e homens que possuíam armas saíram pelas ruas para “domar” os animais.
O autor americano Mark Twain também não escapou do fenômeno. Diversos jornais novaiorquinos noticiaram em 1897 que o escritor estaria vivendo na pobreza e passando fome em Londres. Um deles, no entanto, fez o trabalho de procurar Twain para que ele pudesse confirmar ou não a história. Em uma pequena nota publicada no New York Journal, em 2 junho de 1897, o autor disse achar toda aquela situação “muito divertida” e contou que havia ouvido falar até mesmo em sua morte.
Por fim, uma notícia falsa pode ser a melhor ferramenta para se revelar uma verdade. Foi isso que fez o jornal americano Clarksburg Daily Telegram em meados do século XIX. Eles perceberam que um periódico concorrente, o Clarksburg Daily News, vinha copiando todas as suas reportagens e vendendo como se pertencessem a ele. Em setembro de 1903, o jornal publicou uma história inventada sobre o assassinato de um homem eslavo chamado Mejk Swenekafew. Ao reproduzir a notícia, o Daily News não se deu conta que o sobrenome da vítima dizia we fake news (“nós falsificamos notícias”) ao contrário. Pegos no ato, eles foram forçados a admitir publicamente que estavam furtando notícias do Daily Telegram há meses.
Achei muito legal