William Shakespeare é considerado o maior autor da Língua Inglesa e até mesmo um dos maiores da literatura mundial. Apesar de ter atingido o status de ícone literário supremo, pouco se sabe sobre a figura. Ele teria nascido em Stratford-Upon-Avon, cidade ao norte de Londres, casado-se e morrido aos 52 anos, deixando 39 peças e mais de 150 sonetos. O auge de sua fama aconteceu no século XIX, quase 300 anos depois de sua morte. Foi nessa mesma época que começaram a surgir diversas teorias a respeito da verdadeira autoria dos escritos a ele atribuídos. Até hoje, elas geram dúvidas e polêmicas.
“Existem lacunas na biografia dele, mas a ideia de que existe pouca informação sobre Shakespeare é equivocada”, explica Ronaldo Marin, diretor do Instituto Shakespeare Brasil. “Talvez não seja muito para os padrões modernos, mas, naquela época, tudo o que se saiba de alguém era a data de nascimento, do casamento e da morte, porque eram as informações que a igreja registrava. No caso de Shakespeare, encontramos muito mais coisa”. Enquanto os estudiosos aceitam essas lacunas, Marin diz que os fãs tendem a buscar alguma história fantasiosa que seja capaz de preenchê-las.
A responsável por iniciar o movimento conspiratório foi Delia Bacon, uma escritora americana que propôs que as peças foram escritas por diversos autores, supostamente supervisionados por Sir Francis Bacon, filósofo influente da época. A teoria de Delia se baseava na crença de que era impossível uma só pessoa estar por trás de uma obra tão extensa e tematicamente abrangente. “Ela basicamente achava que era uma obra fantástica demais para pertencer a só uma pessoa”, comenta Ronaldo. “Mas é furado. A maior prova de que Francis Bacon não escreveu os sonetos de Shakespeare são os poemas do autor, que são horríveis.”
Delia Bacon foi quem lançou a teoria da conspiração: ela não acreditava que a obra de Shakespeare pudesse ter sido escrita por apenas uma pessoa
O impacto da autora reverberou pelos 50 anos seguintes, atingindo intelectuais influentes como Mark Twain e até mesmo Freud, um grande entusiasta do dramaturgo inglês. Uma anedota popular — ainda que não confirmada — entre estudiosos de Shakespeare é de que o famoso Complexo de Édipo ia se chamar Complexo de Hamlet, mas foi renomeado após o rebuliço causado por Delia Bacon.
A teoria mais popular, no entanto, é a que coloca Edward de Vere, 17º Lorde de Oxford, como o real autor das obras. Segundo seus defensores, os trabalhos atribuídos a Shakespeare contém diversos detalhes pessoais e códigos que indicam a verdadeira identidade de seu autor. A teoria ganhou espaço até no cinema: o filme Anônimo (“Anonymous”, 2011), dirigido por Roland Emmerich, se propõe a contar a história do Lorde de Oxford da perspectiva de que ele teria escrito em segredo os grandes trabalhos da literatura inglesa. Até mesmo atores shakespearianos — aqueles treinados formalmente pela londrina Royal Shakespeare Company —, como Vanessa Redgrave, Mark Rylance e Derek Jacobi, que faz a introdução de Anônimo, defendem a ideia de que a autoria das peças pertence a Edward de Vere.
O dramaturgo Christopher Marlowe é outro forte concorrente no campo conspiratório. Ele era um dos principais autores da cena teatral na época que Shakespeare chegou a Londres e se juntou à companhia de teatro de Lord Chamberlain, tendo exercido uma grande influência sobre a obra do novato. Marlowe morreu aos 29 anos, em 1593, em uma briga de bar. As obras mais emblemáticas — e populares — de Shakespeare surgiram depois dessa data: Romeu e Julieta (1595), Hamlet (1600) e Macbeth (1606).
Enquanto para alguns essa informação é a maior prova de que os autores são pessoas distintas, outros consideram a ausência de informações “simultâneas” sobre os dois (o sucesso de Marlowe coincide com uma época em que Shakespeare desaparece dos registros oficiais) como a maior evidência de que Shakespeare seria um mero alter ego de Marlowe. A teoria surgiu pela primeira vez em um periódico literário inglês de 1820, e também conquistou o seu lugar na telona por meio de Amantes Eternos (“Only Lovers Left Alive”), filme de 2013, dirigido por Jim Jarmusch.
Em Amantes Eternos (2013), Christopher Marlowe se tornou um vampiro imortal e escreveu todas as grandes peças de Shakespeare
Outra chave importante para explicar a proliferação de teorias da conspiração é entender o lugar que a dramaturgia ocupava na cultura da época de Shakespeare. “O teatro era considerado uma arte menor, coisa de vagabundo”, conta Marin, do Instituto Shakespeare Brasil. “Não era tão valorizado. A teoria sobre Edward de Vere, por exemplo, diz que ele era um conde que não gostava de assinar as obras por ter vergonha de produzir para o teatro.”
Mesmo essa arte sendo vista como mais baixa — especialmente por ser feita para o consumo das massas — havia uma distinção entre o status dos escritores, que eram nobres formados em Oxford e Cambridge, e dos atores, pessoas comuns sem ensino superior, que podiam até mesmo ser presas por vadiagem caso não estivessem associadas a uma grande companhia de teatro pertencente a um lorde.
Shakespeare foi uma quebra desse padrão, o que possivelmente influenciou a descrença em suas habilidades: ele era um cidadão comum, originário do interior, que começou como ator e foi, aos poucos, adentrando o mundo da escrita dramática, chegando a alcançar o posto de sócio da companhia de teatro. Não surpreende que o primeiro documento que situa o autor na capital inglesa seja um escrito de outro dramaturgo, Robert Greene, que se mostra ofendido pela ousadia do novato “faz-tudo”.
Apesar da presença constante das conspirações na cultura pop, Ronaldo Marin reitera que o embasamento de todas essas teorias é muito fraco. “Quem pesquisar irá encontrar cerca de 70 candidatos a autores das obras de Shakespeare”, explica. “Mas, entre os estudiosos, ninguém leva isso a sério.”
Para saber mais sobre a obra do britânico, visite o Instituto Shakespeare Brasil