Na semana passada, fui conhecer um restaurante que foi reformulado, no Shopping Iguatemi, em São Paulo. Sentei na mesa ao lado de dois rapazes. Um pediu um prato e o outro, um hambúrguer. Quando a comida chegou, o rapaz do hambúrguer ensaiou pegar os talheres. Mas desistiu em poucos segundos. Largou garfo e faca e avisou:
– Vou comer com as mãos, tá?
– Sanduíche é para se comer mesmo com as mãos! – concedeu o amigo.

Concordo em número, gênero e grau. Ou em pão, carne e queijo. Acontece que muitas casas parecem ter se esquecido dessa máxima. Dias antes, fui até a Padaria da Esquina, nos Jardins, em São Paulo. Escolhi um sanduíche chamado “Francesinha”. Leva rosbife, presunto, linguiça e duas fatias grossas de pão. Por cima de tudo, queijo e um ovo frito. Não teve jeito: fui obrigado a usar os talheres. O sanduíche foi se esfacelando e, em nenhum momento, consegui comer todos os ingredientes numa única garfada. Fiquei com inveja do meu pai, que pediu uma Tosta Mista e comeu o sanduíche tranquilamente com as mãos.

“Se o sanduíche não couber na mão e na boca não é um sanduíche”, afirma o chef Luiz Cintra, que comanda as duas hamburguerias St. Louis, ambas localizadas nos Jardins. “É um prato empilhado”. Cintra conta que os sanduíches gigantes foram criados como estratégia de marketing de fast-foods americanos, onde a concorrência é ainda maior que por aqui. “O mercado está tão saturado que é preciso criar coisas novas para chamar a atenção dos clientes. Inventam sanduíches que ficam bem na foto, funcionam bem no Instagram, no Facebook”. Em geral, as redes até oferecem prêmios para quem consegue zerar um desses gigantões.

Em Las Vegas, nos Estados Unidos, a lanchonete Heart Attack Grill, é um dos mais bem acabados exemplos desse exagero. Maior sanduíche da rede, o “Quadruple Bypass Burger” pesa 1 quilo e meio. Leva quatro hambúrgueres com 200 gramas cada um, 20 fatias de bacon, 10 fatias de queijo, cebola, tomate e molho. Soma 9 mil calorias. A casa se orgulha em dizer que o sanduíche está no Guinness Book como o mais calórico do mundo. O marketing do “Ataque do Coração Grill” é de doer as coronárias.  Clientes com mais de 160 quilos não pagam – e teve gente que já passou mal ao enfrentar o sanduíche. Por isso, as garçonetes se vestem como enfermeiras.

Já encarei uma dessas aberrações com um amigo há alguns anos. Fomos conhecer o “Ultra X-Tudão”, no Santa Coxinha, na Vila Prudente, na zona Leste de São Paulo. Com 2,5 quilos e 7 500 calorias, ele é o maior da cidade. Montado no pão sírio, o “Ultra” leva muito hambúrguer, calabresa, salsicha, frango desfiado, bacon, presunto, queijos prato e cheddar, catupiry, ovo, maionese, batata palha, fritas, purê e até polenta. Tem pedacinhos de pão sírio como enfeite por cima dos 24 ingredientes no total. Comemos, comemos, comemos e parecia que não tínhamos mexido na comida.

“Sanduíches gigantes, a meu ver, fazem parte do campo do folclore, não da gastronomia”, decreta o jornalista, professor e crítico gastronômico Luiz Américo Camargo. “Um bom sanduíche não deveria ser uma prova de malabarismo. Não se deve ficar preocupado com o recheio que desliza, o molho que desaba, o pão que desalinha, rompe… O Conde Sandwich, inspirador do quitute, ficaria contrariado com o ato de comer um simples sanduba com talheres”.

Na Inglaterra, em 1762, John Eduard Montague (1718-1792), o conde de Sandwich, gostava tanto de jogar bridge que não parava nem para comer. Refeições com garfo e faça poderiam tirá-lo de sua concentração. Por isso, pedia que sua comida, geralmente salame, presunto e queijo, fosse servida entre dois pedaços de pão. Dessa forma, Montague poderia comer com uma das mãos e continuaria jogando com a outra.

O crítico gastronômico Josimar Mello também escreveu em seu blog sobre um dos ícones da baixa gastronomia paulistana: o sanduíche de mortadela do Mercado Central. É outro que dá cãibra na mandíbula. “No Bar do Mané, a grande maioria das pessoas pedirá um enorme, descomunal sanduíche de mortadela. Que todo mundo se habituou a achar que é um dos melhores do mundo. Que é gigante, é. Quase meio quilo de fatias de mortadela (“pesadas” a olho, no mínimo uns 300g) mal sobraçadas por duas humilhadas fatiazinhas de pão. Mas… será isso um bom sanduíche? Um sanduíche não deveria equilibrar os sabores do pão e de seus recheios? Ou, sendo mais prosaico, não deveria caber na boca, ser capaz de ser mordido?? E finalmente: para ser glosado como o melhor do Brasil, não deveria ter alguma arte culinária? Um tempero especial, um ingrediente produzido pela cozinha… e não apenas a mortadela que você pode comprar no supermercado, num pão que você acha na boa padaria do seu bairro? Não vale a fila. E o curioso é que nem o público do Mercadão achava que valesse, na maior parte dos mais de 70 anos do Bar do Mané. O mito deste sanduíche tem somente uns quinze anos, quando a imprensa começou a incensá-lo”. 

“Balanço, equilíbrio, portanto, são pontos-chave: recheio nem a mais, nem de menos; tipo de pão adequado para os tipos e quantidades de molho (sem amolecer e se desfazer na primeira mordida); boa harmonia entre pães e recheios; e por aí vai”, ensina Luiz Américo Camargo. “Eu mesmo, em alguns lugares, tenho meus truques: peço a metade do recheio que a casa costuma usar. Costuma funcionar. Afinal, alguns são tão altos que parecem pensados para bocas de jacaré, não bocas humanas”.