A Copa do Mundo de 1978 é especial para os argentinos. Jogando em casa, a seleção do craque Mário Kempes derrotou a favorita Holanda na final e conquistou o primeiro dos seus dois títulos mundiais. A conquista, porém, também é envolta em polêmicas como o estranho 6 x 0 da Argentina sobre o Peru, quando os hermanos entraram em campo na última partida do quadrangular semifinal sabendo que precisavam ganhar por quatro gols de diferença para eliminar o Brasil e avançar à final. Além disso, a Fifa e o comitê organizador foram criticados por usar o Mundial como propaganda do regime militar argentino. À época, a ditadura argentina era uma das mais severas da América do Sul e perseguia os seus opositores.

Uma descoberta do jornalista britânico David Forrest, do The Guardian, mostra que nem tudo relacionado à Copa de 1978 foi feito para agradar os militares. Pelo contrário: um detalhe curioso vem a tona 39 anos depois como um símbolo de resistência ao regime. Os mais observadores já devem ter percebido que as traves dos estádios que receberam as partidas tinham uma faixa preta nos cantos inferiores – como aquelas faixas que indicam  luto. A apuração de Forrest mostra que essa era um protesto oculto pelos mortos da ditadura argentina e pelos desaparecidos e torturados em centros clandestinos.

Na reportagem, Forrest conta que há alguns anos carregava essa dúvida: por que a marca negra nas traves dos estádios da Copa do Mundo de 1978? Sua mulher foi para a Argentina fazer uma pesquisa a respeito do regime militar e ele embarcou junto. Lá, encontrou em um restaurante um livro com imagens do Mundial. Parou na foto que mostra o goleiro Baratelli, da França, agachado após sofrer um gol de pênalti do argentino Daniel Passarella em um jogo da primeira fase. Ficou observando a mancha negra na trave. “Você é francês?”, perguntou o garçom do restaurante.

Ao explicar a curiosidade, o homem lhe indicou uma visita ao Monumental de Nuñez, estádio em Buenos Aires que é a casa do River Plate, da Seleção e abrigou a abertura e o encerramento daquela Copa. Além da mancha preta, Forrest queria saber mais sobre a forma de sustentação da rede, semelhante ao que no Brasil se chama de “véu de noiva”. Ao fazer o tour pelo estádio vazio, foi levado a uma sala onde estavam as fotos dos funcionários que trabalharam no estádio naquele período. Uma delas mostrava justamente Ezequiel Valentini, o garçom do restaurante que Forrest havia visitado.

De volta ao estabelecimento onde Valentini trabalha, o jornalista descobriu toda a história. O hoje garçom contou que os funcionários queriam protestar contra as mortes e os desaparecimentos provocados pelos militares e dos quais todo mundo tinha conhecimento. “Pensamos em colocar uma mensagem no campo ou nas placas de publicidade, algo que as emissoras de TV pudessem captar, mas isso seria um suicídio”, recordou ele ao The Guardian. Veio então a ideia de passar uma mensagem oculta: pintar o canto inferior das traves em todos os seis estádios. Aos generais, foi dito que se tratava de uma tradição dos jogos de futebol: “Eles não faziam ideia do que era futebol”, conta Valentini.

Além da homenagem, Valentini contou mais sobre o processo para chegar àquela configuração de sustentação das redes. A Fifa exigiu uma padronização nos seis estádios e o comitê organizador demorou para achar uma forma que não copiasse o padrão europeu: “Queríamos uma disposição que marcasse a identidade do nosso povo”, conta ele. O próprio Ezequiel se recordou das redes do Maracanã na Copa de 1950 e sugeriu um modelo semelhante, que foi adotado em todas as sedes.