A Cidade do Rock, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca, está praticamente pronta para mais uma edição do Rock in Rio, que começa amanhã. Foram 10 mil pessoas trabalhando para montar uma estrutura que ocupa 80 mil metros quadrados. A instalação de 120 quilômetros de cabos de som e de 10 mil toneladas de equipamentos irá garantir a emissão de 1 milhão de watts de música e 30 mil kW de energia elétrica (o suficiente para abastecer uma cidade de 50 mil habitantes por um dia) ao longo dos sete dias do festival criado e até hoje comandado pelo empresário Roberto Medina. Distante 1.190 quilômetros da agitação da Cidade do Rock, em um vilarejo com menos de 800 habitantes, vive uma personagem que está marcada na história do evento: Léa Penteado, que foi de repórter a diretora de comunicação responsável pela arma que pode ter salvado o maior encontro musical do Brasil das tempestades de verão no Rio de Janeiro. Hoje, ela mora em Vila de Santo André, o vilarejo de Santa Cruz Cabrália (BA) que abrigou a campeã Alemanha durante a Copa do Mundo de 2014.
Jornalista nascida em Belo Horizonte e criada em São Paulo, Léa estava voltando dos Estados Unidos em 1984 quando Roberto Medina começou a divulgar a ideia de promover um grande festival de rock no Rio de Janeiro: “As pessoas não estavam dando muita atenção para isso porque parecia uma coisa impossível”, recorda. “Como eu tinha morado nos Estados Unidos, aquilo fazia sentido”. Contratada como repórter de entretenimento do jornal O Globo à época, Léa afirma ter sido uma das poucas a acreditar e divulgar o festival desde que o projeto começou a ser desenvolvido: “Por causa disso, eu estreitei minha relação com o Medina”, conta.

ROCK IN RIO 1985“Quando chegou dezembro de 1984, muito por causa de uma reportagem da revista americana Billboard, o Brasil inteiro passou a acreditar no festival e ele aumentou muito de proporção. Como eu era a repórter que mais entendia do assunto em O Globo, passei a cobrir tudo sobre o Rock in Rio”, explica a jornalista. “Publicamos um tabloide em parceria com eles, fui a única a fazer uma entrevista exclusiva com o Medina na semana do festival e ficamos ainda mais próximos”. O primeiro Rock in Rio, realizado em janeiro de 1985, na antiga Cidade do Rock de Jacarepaguá, foi um sucesso absoluto. Melhor para Roberto Medina e também para quem acreditou na ideia: “Quando acabou, o Medina disse: ‘você vem trabalhar comigo na próxima edição'”, relembra Léa.
O hiato de seis anos entre a primeira e a segunda edições não afastou Léa do mundo da música. Pelo contrário: ainda em 1985, ela trocou as reportagens de O Globo pela assessoria de imprensa do Canecão, então a mais famosa casa de shows do Rio de Janeiro: “Eu trabalhava com os grandes espetáculos de lá. Deu tão certo que abri um escritório de assessoria de imprensa especializado nessa área de música, literatura…”. Shows e espetáculos de Tim Maia, Paulo Coelho, Dercy Gonçalves, Renata Sorrah, Maria Bethânia, Julio Iglesias e David Copperfield, dentre outros, foram clientes da jornalista,  que já havia passado pela Editora Abril, pela Revista Manchete e pelas TVs Globo e Tupi.

ROCK IN RIO - LOGOSempre próxima a Roberto Medina, Léa voltou a trabalhar com o empresário em 1990, quando começou o planejamento para a segunda edição. A ideia quase subiu no telhado por causa do Plano Collor, que confiscou as poupanças dos brasileiros para tentar conter a inflação galopante. Para piorar, no dia 6 de junho de 1990, Medina foi sequestrado quando saía de sua agência de publicidade no bairro da Lagoa, na zona sul do Rio: “Estava com ele na hora e virei a assessora de imprensa do sequestrado”, diz Léa, que passou os 17 dias do sequestro intermediando e repassando as informações do cativeiro para a avalanche de repórteres que buscava notícias.
Libertado no dia 21 de junho, depois do pagamento de um resgate de 220 milhões de cruzeiros (equivalente à 2,5 milhões de dólares), Medina viu a sorte mudar logo em seguida, quando a Coca-Cola se ofereceu para patrocinar o festival que passou a ser programado para janeiro do ano seguinte. Já diretora de comunicação do evento, Léa Penteado encerrou os trabalhos no Rock in Rio de 1991, realizado no Estádio do Maracanã, sob a promessa de Medina de que na edição seguinte ela ocuparia o cargo novamente. E assim foi feito. Em 1999, eles iniciaram o planejamento para a terceira edição, que seria realizada em 2001. Foi aí que começou a nascer uma das histórias mais impressionantes da história de Léa, de Medina e do Rock in Rio.

ROBERTO MEDINACom a volta do festival para a Cidade do Rock de Jacarepaguá e a data escolhida – janeiro de 2001 – surgiu uma grande preocupação: as chuvas de verão. Aguardado por 10 anos, o Rock in Rio corria o risco de ficar debaixo d’água. “Chovia muito no Rio nessa época. Em setembro de 2000, eu havia lido uma nota na coluna do Ancelmo Góis, em O Globo, de que uma entidade mediúnica, a Fundação Cacique Cobra Coral, havia previsto fortes chuvas para o Rock in Rio. Enviei um e-mail que não foi respondido e acabei esquecendo o assunto”, admite Léa. Em dezembro, no entanto, chegou a resposta ao e-mail enviado três meses antes: nele, os responsáveis explicavam que o Cacique Cobra Coral era um espírito que em outras encarnações havia sido Galileu Galilei e Abraham Lincoln: “Podia parecer uma doideira, mas eu levei a sério e conversei longas horas com o representante da fundação. Ele confirmou que poderia transferir as chuvas de lugar trabalhando com a força do evento”, assinala Léa.
“Como o Roberto me conhecia havia muito tempo, eu tinha abertura para falar até de assuntos insólitos como esse. Sugeri que contratássemos o cacique para que não chovesse. Ele pode até não ter acreditado, mas, elegante como sempre foi, ouviu minha opinião e ficou de pensar no assunto”. Dois eventos que se seguiram definiram essa história: o primeiro foi o revéillon de 2000 para 2001, quando uma chuva torrencial caiu sobre o Rio de Janeiro: “Era assustador o quanto chovia”, observa Léa. No dia 8, chegaram as primeiras previsões meteorológicas de que viria muita chuva no dia 11, data de abertura do festival: “No mesmo dia choveu muito na Cidade do Rock. Os técnicos acharam bom para que a gente se precavesse, mas eu passei a prever um festival na lama. Foi então que o Medina me chamou em sua sala e me deu carta branca para chamar o Cacique Cobra Coral”.
A ideia correu em segredo absoluto. “Ele me disse: ‘olha, eu vou pagar para trazê-los, mas não é para ninguém ficar sabendo'”. O empresário temia que o assunto virasse piada, especialmente se a tentativa fosse fracassada: “A partir daí, só quem tem fé pode explicar o que ocorreu. Eles disseram que iriam transferir as chuvas para a região de seca. Não sei se conseguiram, mas nos dias 11 e 12 choveu em várias partes do Rio de Janeiro, inclusive próximas à Jacarepaguá, mas nenhuma gosta caiu na Cidade do Rock”, vibra a jornalista. “Na abertura, durante os três minutos de silêncio pela paz, até um tímido sol apareceu entre as nuvens”, acrescenta.

O sigilo pretendido por Medina ficou só no papel. “Depois do festival, ele mesmo começou a contar para o cenógrafo, que contou para o amigo, que foi contando… Aí a história se espalhou”, explica Léa. “Até hoje sou amiga do pessoal da Fundação Cacique Cobra Coral. Eles nunca tinham feito um trabalho desses em um evento tão grande e depois apareceram vários”. A edição do Rock in Rio de 2001 foi a última em solo brasileiro com a participação de Léa: “O Roberto abriu uma empresa chamada Dream Factory e eu passei a trabalhar lá junto com a Roberta, filha dele. Quando começou o planejamento para a primeira edição do Rock in Rio Lisboa eu me mudei para lá e fiquei morando em Portugal até o festival”.
Terminada a estreia estrangeira (realizada entre 28 de maio e 6 de junho de 2004 em terras portuguesas) do projeto de Medina, Léa mudou de vida: “Voltei para o Brasil e me instalei nesse vilarejo de Santo André. Hoje trabalho aqui como consultora de comunicação online”, diz ela, que ainda é dona de uma pousada no local. A vida na Vila de Santo André é calma, mas não muito distante do centro nervoso do país: “Estou a 1h20 do maior centro financeiro da América Latina ainda que meus pés estejam com areia do quintal”, gaba-se ela, hoje com 68 anos, em seu blog. Desde que se mudou, passou longe da preparação de outras seis edições em Lisboa, três em Madri, uma em Las Vegas e quatro, já contando com essa, no Rio de Janeiro.

Autora do livro “A verdade é a melhor notícia”, lançado em 2015 pela editora Bookstart para contar suas histórias como assessora, Léa está com passagens compradas e presença garantida nas apresentações do dia 21, que terá na banda norte-americana Aerosmith o seu grande show, do Rock in Rio de 2017. “Todo ano o Medina me chama para ir a pelo menos um dia e eu sempre vou”, conta Léa. Ela estará acompanhada do filho Bernardo, também jornalista, na nova Cidade do Rock, construída para a edição de 2011 na Barra da Tijuca.
Um desfalque importante, porém, está confirmado: pela primeira vez desde 2001 a Fundação Cacique Cobra Coral não irá trabalhar para Roberto Medina no Rock in Rio brasileiro: “Eles me prometeram que não iria chover. E choveu bastante. Então a gente se desentendeu”, disse Medina ao jornal O Globo. A mágoa diz respeito à edição de 2015, a última até este ano, quando as fortes chuvas atrapalharam o público e chegaram a impedir a visão do palco. “Quando já estávamos próximos, o chofer [motorista] percebeu que havia esquecido de adesivar o veículo. Com as barreiras, ele não iria conseguir entrar e voltou para buscar o adesivo, atrasando nossa ida. Quando lá chegamos, a chuva já havia entrado”, justificou a Fundação Cacique Cobra Coral em comunicado emitido à época.