Detidos na “Operação Saqueador”, na semana passada, o empreiteiro Fernando Cavendish e o bicheiro Carlinhos Cachoeira teriam direito à prisão preventiva domiciliar, mas foram enviados a um presídio por falta de tornozeleiras eletrônicas. Na verdade, o serviço foi suspenso por falta de pagamento. O governo do Rio de Janeiro não paga desde novembro. Deve 2,8 milhões de reais pelo monitoramento de 1 600 pessoas. Cerca de 90% dos contratos de tornozeleiras eletrônicas com as secretarias estaduais são feitos hoje pela Spacecom, empresa que está completando 20 anos. A Spacecom entrou no mercado de controle eletrônico de sentenciados em 2006. No ano passado, a empresa assinou contrato com a Justiça Federal do Paraná e hoje cuida também do monitoramento de presos da Operação Lava Jato. Fávio Loonfield, presidente da empresa, foi entrevistado por mim e por Thays Freitas no Manhã Bandeirantes.
1. Há mesmo falta de tornozeleiras eletrônicas no mercado?
Não é bem assim. O Rio de Janeiro teve o fornecimento suspenso em função dos atrasos de pagamento que ultrapassaram 90 dias. A lei nº 8666, de 1993, faculta ao prestador de serviço a suspensão do serviço quando este não recebe o pagamento. Em função dos atrasos, que ultrapassaram muito mais de três meses, a empresa decidiu não continuar fornecendo tornozeleiras adicionais. Na semana passada, recebemos um comunicado do Estado do Rio de Janeiro informando que eles irão honrar seus compromissos. Assim que o fizerem, começarão a receber novos equipamentos. O Rio de Janeiro ainda possui tornozeleiras e continua monitorando parte de seus presos.

2. As tornozeleiras são vendidas ou alugadas para o Estado?
Ela não é vendida, é alugada. Pode ser reutilizada em outras pessoas que também estão em monitoramento, depois de passarem por um processo de higienização e reinstalação. O tempo de vida do equipamento depende muito do uso, mas normalmente é de três anos. O Estado não compra as tornozeleiras, porque não seria interessante adquirir um equipamento que evolui com a tecnologia e que já está indo para a terceira geração. Com o aluguel, não ficam com um equipamento obsoleto, pois vão recebendo sempre as novas versões.
3. Quanto pesa uma tornozeleira eletrônica?
Menos de 200 gramas [128 gramas].
4. Muita gente está cumprindo prisão domiciliar em casas luxuosas, com belas piscinas. A tornozeleira é à prova d’água?
Todas as tornozeleiras são feitas à prova de água, de acordo com as normas internacionais de submersão na água, chamadas de IP68. Elas podem entrar na piscina, no mar, no rio e no lago que não irão parar de funcionar. No Brasil, os equipamentos devem ser homologados pela Anatel. Como os nossos são produzidos pela própria empresa, eles são homologados e cumprem todas as normas técnicas do Brasil, atendendo ainda normas internacionais.
5. Onde ficam as fábricas?
Não divulgamos o endereço das fábricas, apenas sua localização aproximada. Elas ficam no interior de São Paulo, do Paraná e do Amazonas.
6. O sistema informa tentativas de fraude?
A função da tornozeleira eletrônica é registrar todos os eventos que aconteceram durante o uso do equipamento por determinada pessoa. Se houver tentativa de fraude, o equipamento registrará os dados e enviará para o prontuário do usuário. Caso a pessoa corte a cinta de fixação, o equipamento irá registrar o acontecido e isso será uma prova para a polícia. A Justiça é quem irá analisar se o preso vai regredir ou não no sistema. A maior desinformação que o público tem é que a tornozeleira não pode ser retirada. Qualquer equipamento colocado numa pessoa deve poder ser retirado.
7. Qual é o tipo de fraude mais comum?
É encobrir a tornozeleira eletrônica com papel alumínio para tentar cortar a comunicação com a central de monitoramento. Ao fazer isso, a central identifica automaticamente o corte de comunicação e o equipamento registra essa fraude [tentativas de violação acionam um alarme na central].
8. Como funciona o sistema de GPS da tornozeleira?
O equipamento capta a localização dos satélites de GPS, calcula suas coordenadas de latitude e de longitude, e verifica se a pessoa está cumprindo as regras que a Justiça determinou. Um modem transmite os dados com sinal de celular. Se o usuáerio está mesmo em casa das 20h às 6h ou no trabalho das 10h às 17h, por exemplo. O equipamento verifica e o sistema faz esse registro. Tudo é feito de maneira eletrônica. Quando contrata o serviço, o Estado pode dispor de uma central própria e fazer seu próprio monitoramento. MasCaso a pessoa corte a cinta de fixação, o equipamento registra e parra a ser uma prova para a polícia. Mas a nossa empresa também dispõe de centrais 24 horas em alguns Estados, como Mato Grosso, Goiás e Paraná.
9. Quanto custa o monitoramento de cada um desses presos?
Hoje, o Departamento Penitenciário Nacional – que agrega informações de todos os Estados – calcula ter cerca de 22 mil pessoas monitoradas. O custo depende muito do serviço que cada Estado contrata. Isso inclui a questão de ter uma central de monitoramento com a empresa ou não. A média fica em torno de 280 reais mensais, muito abaixo do preço de manter uma pessoa presa.
10. O mercado de tornozeleiras eletrônicas nem ouviu falar da crise?
Desde 2010, quando se iniciou o monitoramento no país, o Brasil vem passando por uma transformação no sistema penitenciário. Muitos dos presos que têm uma pena pequena ou que não têm um potencial periculoso muito alto podem ser monitorados, em vez de ficarem dentro de presídios – e em contato com facções criminosas. O Ministério da Justiça está fazendo a retirada desses presos das penitenciárias, a exemplo do que é já é feito em  outros países. Tem também aqueles presos que cometeram assalto à mão armada e que ganharam um indulto de Natal. Elas deverão ser monitoradas por tornozeleiras nesse período. Isso tem trazido enormes benefícios para a área penal e judiciária. Existem, sim, alguns casos em que as pessoas ainda continuam cometendo crimes, mas essa quantidade é menor do que 5% do total que está sendo monitorada.